Água doce e
limpa: de "dádiva" à raridade
Estudiosos prevêem que em breve a água será
causa principal de conflitos entre nações.
Há sinais dessa tensão em áreas do planeta
como Oriente Médio e África. Mas também os
brasileiros, que sempre se consideraram
dotados de fontes inesgotáveis, vêem algumas
de suas cidades sofrerem falta de água. A
distribuição desigual é causa maior de
problemas. Entre os países, o Brasil é
privilegiado com 12% da água doce
superficial no mundo.
Outro foco de dificuldades é a distância
entre fontes e centros consumidores. É o
caso da Califórnia (EUA), que depende para
abastecimento até de neve derretida no
distante Colorado. E também é o caso da
cidade de São Paulo, que, embora nascida na
confluência de vários rios, viu a poluição
tornar imprestáveis para consumo as fontes
próximas e tem de captar água de bacias
distantes, alterando cursos de rios e a
distribuição natural da água na região. Na
última década, a quantidade de água
distribuída aos brasileiros cresceu 30%, mas
quase dobrou a proporção de água sem
tratamento (de 3,9% para 7,2%) e o
desperdício ainda assusta: 45% de toda a
água ofertada pelos sistemas públicos.
Disponibilidade
e distribuição
Embora o Brasil seja o primeiro país em
disponibilidade hídrica em rios do mundo, a
poluição e o uso inadequado comprometem esse
recurso em várias regiões do País.
O
Brasil concentra em torno de 12% da água
doce do mundo disponível em rios e abriga o
maior rio em extensão e volume do Planeta, o
Amazonas. Além disso, mais de 90% do
território brasileiro recebe chuvas
abundantes durante o ano e as condições
climáticas e geológicas propiciam a formação
de uma extensa e densa rede de rios, com
exceção do Semi-Árido, onde os rios são
pobres e temporários. Essa água, no entanto,
é distribuída de forma irregular, apesar da
abundância em termos gerais. A Amazônia,
onde estão as mais baixas concentrações
populacionais, possui 78% da água
superficial. Enquanto isso, no Sudeste, essa
relação se inverte: a maior concentração
populacional do País tem disponível 6% do
total da água.
Mesmo na área de incidência do Semi-Árido
(10% do território brasileiro; quase metade
dos estados do Nordeste), não existe uma
região homogênea. Há diversos pontos onde a
água é permanente, indicando que existem
opções para solucionar problemas
socioambientais atribuídos à seca.
Qualidade
comprometida
A
água limpa está cada vez mais rara na Zona
Costeira e a água de beber cada vez mais
cara. Essa situação resulta da forma como a
água disponível vem sendo usada: com
desperdício - que chega entre 50% e 70% nas
cidades -, e sem muitos cuidados com a
qualidade. Assim, parte da água no Brasil já
perdeu a característica de recurso natural
renovável (principalmente nas áreas
densamente povoadas), em razão de processos
de urbanização, industrialização e produção
agrícola, que são incentivados, mas pouco
estruturados em termos de preservação
ambiental e da água.
Nas
cidades, os problemas de abastecimento estão
diretamente relacionados ao crescimento da
demanda, ao desperdício e à urbanização
descontrolada – que atinge regiões de
mananciais. Na zona rural, os recursos
hídricos também são explorados de forma
irregular, além de parte da vegetação
protetora da bacia (mata ciliar) ser
destruída para a realização de atividades
como agricultura e pecuária. Não raramente,
os agrotóxicos e dejetos utilizados nessas
atividades também acabam por poluir a água.
A baixa eficiência das empresas de
abastecimento se associa ao quadro de
poluição: as perdas na rede de distribuição
por roubos e vazamentos atingem entre 40% e
60%, além de 64% das empresas não coletarem
o esgoto gerado. O saneamento básico não é
implementado de forma adequada, já que 90%
dos esgotos domésticos e 70% dos afluentes
industriais são jogados sem tratamento nos
rios, açudes e águas litorâneas, o que tem
gerado um nível de degradação nunca
imaginado.
Alternativas
A
água disponível no território brasileiro é
suficiente para as necessidades do País,
apesar da degradação. Seria necessário,
então, mais consciência por parte da
população no uso da água e, por parte do
governo, um maior cuidado com a questão do
saneamento e abastecimento. Por exemplo, 90%
das atividades modernas poderiam ser
realizadas com água de reuso. Além de
diminuir a pressão sobre a demanda, o custo
dessa água é pelo menos 50% menor do que o
preço da água fornecida pelas companhias de
saneamento, porque não precisa passar por
tratamento. Apesar de não ser própria para
consumo humano, poderia ser usada, entre
outras atividades, nas indústrias, na
lavagem de áreas públicas e nas descargas
sanitárias de condomínios. Além disso, as
novas construções – casas, prédios,
complexos industriais – poderiam incorporar
sistemas de aproveitamento da água da chuva,
para os usos gerais que não o consumo
humano.
Após a Rio-92, especialistas observaram que
as diretrizes e propostas para a preservação
da água não avançaram muito e redigiram a
Carta das águas doces no Brasil. Entre os
tópicos abordados, ressaltam a importância
de reverter o quadro de poluição, planejar o
uso de forma sustentável com base na Agenda
21 e investir na capacitação técnica em
recursos hídricos, saneamento e meio
ambiente, além de viabilizar tecnologias
apropriadas para as particularidades de cada
região.
A água no mundo
A
quantidade de água doce no mundo estocada em
rios e lagos, pronta para o consumo, é
suficiente para atender de 6 a 7 vezes o
mínimo anual que cada habitante do Planeta
precisa. Apesar de parecer abundante, esse
recurso é escasso: representa apenas 0,3% do
total de água no Planeta. O restante dos
2,5% de água doce está nos lençóis freáticos
e aqüíferos, nas calotas polares, geleiras,
neve permanente e outros reservatórios, como
pântanos, por exemplo.
Se
em termos globais a água doce é suficiente
para todos, sua distribução é irregular no
território. Os fluxos estão concentrados nas
regiões intertropicais, que possuem 50% do
escoamento das águas. Nas zonas temperadas,
estão 48%, e nas zonas áridas e semi-áridas,
apenas 2%. Além disso, as demandas de uso
também são diferentes, sendo maiores nos
países desenvolvidos.
O
cenário de escassez se deve não apenas à
irregularidade na distribuição da água e ao
aumento das demandas - o que muitas vezes
pode gerar conflitos de uso – mas também ao
fato de que, nos últimos 50 anos, a
degradação da qualidade da água aumentou em
níveis alarmantes. Atualmente, grandes
centros urbanos, industriais e áreas de
desenvolvimento agrícola com grande uso de
adubos químicos e agrotóxicos já enfrentam a
falta de qualidade da água, o que pode gerar
graves problemas de saúde pública.
*Os textos
compilados nesta seção foram originalmente
publicados no Almanaque Brasil
Socioambiental, cuja primeira edição está
esgotada. Uma nova edição está prevista para
2007.
DECLARAÇÃO
UNIVERSAL DOS DIREITOS DA ÁGUA
Foi proclamada
pela ONU, 1992, tendo como objetivo atingir todos os
indivíduos para que se esforce em desenvolver o
respeito aos direitos e obrigações nela anunciados,
e assim, com medidas progressivas de ordem nacional
e internacional,o seu reconhecimento e a sua
aplicação.
Art. 1º. - A água
faz parte do patrimônio deste planeta.
Cada continente, cada povo, cada nação, cada região,
cada cidade é plenamente responsável aos olhos
de todos.
Art. 2º. - A água é seiva do nosso planeta. Ela é a
condição essencial de vida de todo ser vegetal,
animal ou humano. Sem ela não poderíamos conceber
como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a
cultura ou agricultura. O direito à água é um dos
direitos fundamentais do ser humano: o direito à
vida, tal qual é estipulado no art. 3º. da
Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Art. 3º. - Os recursos naturais de transformação da
água em água potável são lentos, frágeis e muito
limitados. Assim sendo, a água deve ser manipulada
com racionalidade, precaução e parcimônia.
Art. 4º. - O equilíbrio e o futuro do nosso
planeta dependem da preservação da água e de seus
ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionado
normalmente para garantir a continuidade da vida
sobre a Terra. Este equilíbrio depende, em
particular, da preservação dos mares e oceanos, por
onde os ciclos começam.
Art. 5º. - A água não é somente uma herança de
nossos predecessores: ela é sobretudo um empréstimo
aos nossos
sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade
vital, assim como uma obrigação moral do homem para
as
gerações presentes e futuras.
Art. 6º. - A água não é uma doação gratuita da
natureza; ela tem um valor econômico: precisa-se
saber que ela é, algumas vezes, rara e
dispendiosa e que pode muito bem escassear em
qualquer região do mundo.
Art. 7º. - A água não deve ser desperdiçada, nem
poluída, nem envenenada. De maneira geral,
sua utilização deve ser feita com consciência e
discernimento para que não se chegue a uma
situação de esgotamento ou deterioração da
qualidade das reservas atualmente disponíveis.
Art. 8º. - A utilização da água implica o respeito à
lei. Sua proteção constitui uma obrigação jurídica
para todo homem ou grupo social que utiliza. Esta
questão não deve ser ignorada nem pelo homem nem
pelo Estado.
Art. 9º. - A gestão da água impõe um
equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as
necessidades de ordem econômica, sanitária e
social.
Art. 10º. - O planejamento da gestão da água
deve levar em conta a solidariedade e o consenso em
razão em sua distribuição desigual sobre
a Terra.
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